quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Os desafios da segurança pública no Brasil

A violência urbana é como apontam as pesquisas de opinião, o problema mais grave vivenciado pelas regiões metropolitanas do Brasil atual, sendo que até o então todas as tentativas de enfrentamento para a grave questão, não surtiram os efeitos esperados.
Assim torna-se premente que mais esforços sejam feitos pelos poderes competentes, visando implantar políticas públicas concretas, práticas e eficientes para o combate à onda de violência que ora varre o país.
Salta aos olhos, a postura de muitos governantes frente à situação que se deteriora a passos largos, por diversas razões, dentre elas, o anacronismo da legislação vigente, a incompetente, centralizada e pouco democrática partilha de recursos, principalmente os advindos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional, o contingenciamento de referidos recursos, embora previamente titulados no Orçamento da União, a falta de interesse e compromisso por partes dos atores políticos nos três níveis de poder para a implementação de políticas específicas no âmbito de suas respectivas competências legais, ou seja, planejamento, desenvolvimento sustentável e inclusão social, com saúde, educação, transporte, habitação, etc.
O que se percebe, é que muitos dos atuais governantes não assumem na plenitude o combate à violência no âmbito de suas verdadeiras responsabilidades, com receio de comprometer a imagem de seus governos e seus projetos políticos, mas também não deixam que o assunto saia de suas agendas, seja através de projetos isolados e descontínuos, ou mesmo pelo falatório demagógico, para que não pareçam omissos diante do grave problema.
Portanto urge imprescindível, a garantia de um pacto nacional, a teor do que outrora sugerido pelo sociólogo Luiz Eduardo Soares, tendo por meta aperfeiçoar a implantação do Sistema Único de Segurança Pública, com cada ente federado assumindo suas responsabilidades no marco de suas atribuições legais.
Neste sentido, tal situação enseja à imediata inclusão dos Municípios no SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), passando o poder local também a participar do estudo, planejamento e execução das políticas de segurança, sugeridas pelos Planos Estaduais de Segurança Pública.
Assim os entes federados estarão contribuindo, com a prática de ações preventivas integradas e multisetoriais, envolvendo as áreas sociais, educacional, saúde, habitação, transporte, cidadania, entre outras, deixando ao Estado e a União à tarefa de atuar ostensivamente na repressão, combatendo as ações criminosas mais graves, tipificadas pela legislação penal.
Hoje já existem casos de sucesso, com resultados positivos de combate a violência com planejamento estratégico e ações multisetoriais, tanto no Brasil quanto no exterior, a exemplo dos Municípios de Vitória e Diadema, que reduziram muito seus índices de crimes contra a vida e contra o patrimônio a partir da utilização de programas como os acima referenciados, a redução em mais de 40% dos índices de homicídios na cidade de São Paulo no ano de 2005, os Consórcios e Fóruns Metropolitanos de Segurança de Recife e do ABC Paulista, e a cidade de Bogotá na Colômbia que se tornou uma referência mundial na redução de violência urbana. É certo que o problema da Segurança Pública é maior e muito mais complexo do que por vezes conceitualmente exposto pelos atores envolvidos diretamente na formulação e execução de tais políticas.
Mas não obstante a tal constatação, a lógica da integração, se torna um desafio gerado pelo "caráter das dinâmicas criminais", sendo que a ação consorciada oportuniza a racionalização financeira e gerencial, a exemplo das políticas de formação, sistemas de informação e inteligência, tecnologia e equipamentos, unindo forças na busca da paz social.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

“O Brasil não tem povo”

Em 1881, em sua obra L’esclavage au Brésil, Louis Couty afirmou:

“O Brasil não tem povo”, pois, “em nenhuma parte se acharão massas de eleitores sabendo pensar e votar, capazes de impor ao governo uma direção definida”. Cento e vinte e seis anos se passaram desde que Couty apontou o triste fato: “O Brasil não tem povo”. Mas, será que já tem, apesar das mudanças ocorridas? Como é impossível analisar num pequeno artigo mais de um século de história, tomo como marco importante o processo de industrialização, iniciado nos governos de Getúlio Vargas e JK, que desembocou no atual perfil do Brasil urbano e em parte modernizado. Persistem, é verdade, os contrastes sociais. Predominam na pirâmide social os mais pobres. Mas, bem diferente do século em que Couty nos visitou agora temos classes médias e uma elite econômica. Mesmo assim, perdura nosso subdesenvolvimento político que, associado ao vácuo de valores que hoje se observa, leva a indagar se Couty continua ou não tendo razão. Afinal, são eleitos e reeleitos notórios bandidos, trambiqueiros, mentirosos, tanto para o Poder Legislativo quanto para o Executivo e, em muitos casos, não se distingue entre desembargadores, juízes, advogados, políticos, bicheiros e qualquer tipo de marginal. Isto pode significar que são poucos os eleitores que sabem pensar e votar, sendo ao mesmo tempo incapazes de impor ao governo uma direção definida. A péssima escolha de nossos representantes pode ainda refletir uma profunda identificação popular com seus eleitos no que eles têm de pior, o que indicaria que não temos povo, mas plebe. Ao mesmo tempo, há muita ignorância relativa aos candidatos no que concerne às suas trajetórias políticas, demonstração de que conhecimento e informação não são coisas idênticas, pois não faltam, ainda que filtradas, informações sobre o festival de falcatruas prodigalizado por quem deveria dar o bom exemplo.
Paradoxalmente isso acontece apesar da profusão de ONGs, centrais sindicais, associações de artistas e de intelectuais, dos chamados movimentos sociais, enfim, de tantas entidades que vão das associações de moradores à OAB, à ABI, a UNE, à CNBB e muitas outras agora denominadas de redes sociais, que alguns imaginam ser fontes de
conscientização, civismo e solidariedade.
Portanto, as redes sociais que sempre existiram, mas que com a complexidade urbana aliada à velocidade dos meios de transporte e comunicação (Internet e telefonia celular são, entre as mais recentes, as mais notáveis revoluções da comunicação) se multiplicaram, não produzem necessariamente o cidadão cônscio, o indivíduo capaz de otimizar seu livre arbítrio, o ator que interfere em seu tempo. Novas “comunidades” nem sempre são atestados de “novo cidadão” solidário. Na diversidade do mundo atual onde os grupos “primários” como a família são trocados por grupos “secundários”, estes podem também abrigar redes, por exemplo, de criminosos, de terroristas, de narcotraficantes que possuem um tipo de solidariedade, de aprendizado e projetos comuns, mas que estão bem longe do homem naturalmente bom de Rousseau ou do revolucionário “para si” de Karl Marx, que o conteúdo do termo rede
social quer ressuscitar.
Conferir à humanidade de hoje virtudes excelsas que ela jamais possuiu, é tão falso quando o antigo dilema indivíduo x sociedade, pois o que há é uma interação entre o ser
humano e seu ambiente sócio-cultural.
Finalmente, se mudanças sempre estão ocorrendo, pois a vida é dinâmica, por trás das transformações materiais, valorativas e comportamentais certas essências humanas nunca mudam e a humanidade como um todo permanece ignorante, crédula e facilmente manipulável.
No nosso caso, apesar das redes sociais prevalece o “mesmismo” de que falou Roberto Campos e uma acachapante e piorada passividade que tudo aceita como natural. E continuamos, como, aliás, acontece com todos os povos, tangidos por poderes mais
altos e ocultos em bastidores inacessíveis ao vulgo.
Concluindo, apesar das redes sociais o homem continua, como disse Henry Louis Mencken, “o caipira par excellence, um ingênuo incomparável, o bobo da corte cósmica. Ele é crônica e inevitavelmente tapeado, não apenas pelos outros animais e pelas artimanhas da natureza, mas também (e mais particularmente) por si mesmo – por seu incomparável talento para pesquisar e adotar o que é falso, e por negar ou desmentir o que é verdadeiro”. No nosso caso, isso muito se acentua e de certo modo explica.
porque o Brasil não tem povo.

Por Maria Lúcia Victor Barbosa.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga. mlucia@sercomtel.com.br