quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ensaio sobre a Dádiva - Marcel Mauss

RESENHA (1)

MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac Naify, 2003, p. 185-314.

Josimar Gonçalves da Silva (2)

Marcel Mauss inicia o seu artigo intitulado Ensaio sobre a Dádiva com um poema, pois o autor imagina que o mesmo servirá de epígrafe em seu trabalho. As estrofes da epígrafe indicam que os amigos devem sempre presentear-se uns aos outros, pois os que sempre trocam presentes são amigos por mais tempo; e devem sempre retribuir presente por presente. A epígrafe indica também que o fato de não se retribuir adequadamente o presente recebido, ou seja, manter a avareza, gera o medo. A primeira perspectiva é que o mercado sempre existiu e o que interessa para o autor é como a troca acontece. Ele não se contenta com exemplos das sociedades contemporâneas e sempre busca em outras.
Em muitas civilizações, os presentes se dão em forma de contratos e trocas; são de forma obrigatória, dados e retribuídos. A obra de Mauss é fruto de estudos mais vastos. De fato, ele nunca chegou a fazer trabalho de campo e deixou bem claro que não tinha a intenção escrever um livro. Escreveu somente artigos com o objetivo de incentivar seus alunos a continuarem os estudos na área da antropologia. Marcel Mauss dirige sua atenção ao mesmo tempo para o sistema contratual e para a economia de diversas sociedades consideradas primitivas.
O problema em que o autor se dedica especialmente em resolver é compreender “qual é a regra de direito e de interesse que, nas sociedades de tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído?” e “Que força que existe na coisa dada que faz com que o donatário a retribua?” (p. 188). Marcel Mauss segue um método de comparação preciso, onde só estuda o seu tema em áreas determinadas e escolhidas. Essas áreas escolhidas são a Polinésia, a Melanésia, o Noroeste Americano e alguns grandes direitos.
O trabalho aqui analisado é parte de uma seqüência de pesquisas, que durante muito tempo já vinha sendo desenvolvida por Marcel Maus sobre as formas arcaicas do contrato.
A obra Ensaio sobre a Dádiva, defini a dádiva de modo amplo, a dádiva não inclui só presentes, bens e riquezas; mas também banquetes, crianças, danças, feiras, mulheres, ritos, serviços militares, visitas, festas, comunhões, esmolas, herança, prestações que podem ser “totais” ou “agonísticas” (neste último caso, inclui-se o potlatch dos índios do noroeste americano). Essas prestações são voluntárias, mas obrigatórias. O autor propõe-se a chamar potlatch a forma evoluída e rara dessas prestações totais.
O autor estuda a Polinésia de maneira particular, em seu estudo ele enxerga a força que leva a retribuir alguma coisa dada. A Polinésia interessa especialmente a Mauss por causa da noção de mana, através da qual inicia o seu estudo sobre a obrigação de retribuir. A noção de mana é também importante em partes da Melanésia, mas em um contexto de menor desenvolvimento da chefia como instancia centralizadora da vida social. Essa noção permitiria comparações não só entre essas regiões próximas, mas também entre outras sem uma história de contatos: o potlatch da costa noroeste americana apresentaria noções semelhantes, implicando honra, prestigio e autoridade; não retribuir implica perda do mana. Mauss inicia a análise da Polinésia por Samoa, onde ele lembra os sistemas de trocas familiares. Analisando as noções nativas de mana e de hau, Mauss conclui que o presente recebido e trocado, gera uma obrigação.
Dar e receber não implica somente uma troca material, mas também uma troca espiritual. Nesse sistema, onde existe a obrigação de retribuir ao outro a coisa recebida, aceitar algo é receber sua alma, de essência espiritual.
Para entender a criação da prestação total e do potlatch, Marcel Mauss busca explicação em dois momentos que são complementares, devido a prestação total não envolver somente a obrigação de retribuir os presentes recebidos. Então, o autor supõe outras duas obrigações: a obrigação de dar e a obrigação de receber. Segundo ele, é fácil encontrar um grande número de fatos referentes a obrigação de receber. Do mesmo modo, Mauss considera a obrigação de dar também importante e ainda distingui alguns fatos (recusar dar, falta de convite, recusar receber) como motivos que levam a guerra; definindo esses fatos como a recusa da aliança (3)e da comunhão.
Mauss faz uma observação no tema que diz respeito ao presente dado aos homens e o presente dado aos deuses, onde as trocas de presentes entre homens e deuses estimulam os deuses a serem bondosos com os homens. E ainda explica que a troca de presentes gera a abundância de riquezas. A esmola também faz parte da observação do autor, ele vê a esmola como uma noção moral da dádiva e da fortuna, de um lado, e a noção do sacrifício, do outro. Todos os fatos observados por Marcel Mauss até aqui e adiante, no texto, são apropriados de etnografias bastante variadas, mas esse ponto não é o objetivo de estudo no momento.
Radcliffe Brown é citado por Marcel Mauss em sua obra, onde este utiliza a idéia de que ninguém tem liberdade para recusar um presente oferecido e que todos os indivíduos procuram superar a sua generosidade, também havia uma oposição de quem poderia dar mais presentes de maior valor. O contrato e a troca são, na realidade, misturas; onde almas, coisas e vidas se entrelaçam.
Na Melanésia os sistemas de trocas são conservados por um lado, e por outro, são desenvolvidos todo o sistema de dádivas. Aqui a noção de moeda aparece mais clara do que na Polinésia. O kula é um tipo de grande potlatch, que liga um comércio intertribal, sendo de caráter nobre. Após refletir sobre a noção de moeda, em geral, a partir do kula e do potlatch, Mauss distingui uma semelhança entre essas duas formas de troca.
As sociedades indígenas do noroeste americano mostram as mesmas instituições, tendo a diferença de que aqui as regras são mais radicais e acentuadas. Primeiramente, é desconhecida a troca de mercadorias sem o uso de moeda neste espaço. As coisas trocadas/vinculadas em um sistema de dádivas é um elo permanente e constante que junta todos nós. Mauss nos lembra que em outros sistemas as regras são outras.
Para Mauss a obrigação de dar é a essência do potlatch. Receber também é uma obrigação, ninguém tem o direito de recusar uma dádiva, uma atitude dessas demonstra que se teme ter que retribuir. Retribuir também é uma obrigação, o potlatch deve sempre ser retribuído com juros como toda dádiva. “As taxas são de 30% a 100% ao ano” (p. 249). O autor utiliza o exemplo de um súdito e seu chefe como ilustração, em que um súdito recebe uma manta de seu chefe por um serviço prestado e deverá retribuir duas mantas em decorrência de casamento na família do chefe. O individuo que não pode retribuir o empréstimo ou potlatch não tem reputação e perde a condição de homem livre. Marcel Mauss leva mais adiante a análise e prova que, nas coisas trocadas, há uma qualidade que força as dádivas a circularem, a serem dadas e retribuídas.
Marcel Mauss exprime o fato de nossas sociedades separarem o direito real (direito que está escrito) do direito pessoal (direito que é realizado entre as pessoas). O direito germânico e o direito romano têm noções que não impediram de perceber o uso do sistema de dádivas. Nas suas referências à sociedade germânica, Mauss sugere ter ocorrido, nesta sociedade, certo desenvolvimento histórico, da dádiva ao mercado. Sendo que a civilização germânica existiu muito tempo sem mercados. Alguns princípios do direito bramânico fazem lembrar um pouco dos costumes polinésios, melanésios e americanos que Mauss descreveu.
A dádiva que não é retribuída coloca em posição menos elevada quem a aceitou, especialmente quando é recebida sem espírito de reciprocidade. O convite também deve ser retribuído. Mauss diz que é preciso retribuir mais do que recebeu e que a “devolução” é maior e mais cara. Quando Marcel Mauss se refere ao homem ele se refere ao ser humano biológico, sociológico e social, esse é o homem total. Na dádiva é o homem total que se faz presente.
No desenrolar da conclusão de sua obra, Mauss começa uma prática de ação dirigida aos franceses quando afirma que não basta apenas constatar o fato, mas é preciso deduzir dele uma prática, um preceito, uma moral.
Em diferentes momentos, Mauss percebeu o quanto a economia da troca-dádiva estava longe de introduzir-se nos quadros da economia supostamente natural do utilitarismo.
Mauss diz que “é preciso haver caminhos, trilhas pelo menos, mares ou lagos por onde se possa viajar em paz” (p. 310), em seguida ele afirma que é preciso ter alianças tribais e intertribais (ou internacionais). Assim, é possível perceber que a circulação pelo mundo aumentou. O autor chama a atenção para o fato que os historiadores alegam que os sociólogos fazem de modo exagerado abstrações e separam demais os diversos elementos das sociedades uns dos outros. Ele deixa a sugestão para os sociólogos de que é preciso fazer como os historiadores, ou seja, observar o que é dado.

(1)Trabalho apresentado a Disciplina Antropologia III, sob orientação da Profª. Maria Luiza.
(2)Aluno do curso de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia (FCHF) da Universidade Federal de Goiás (UFG).
(3)A Política está presente no texto de Marcel Mauss quando se fala em aliança.